A socialização de analfabetos motores

13/06/2015 12:11

Alessandro Barreta Garcia*

Antes de falar sobre o aprendizado motor, vou expor algumas considerações sobre alfabetização no Brasil. Uma frase muito usada pelos construtivistas que ensinam o ler e o escrever é: “ninguém ensina ninguém, o aluno constrói o seu próprio conhecimento”. Observo que estes termos se aplicam a um universo comum de construtivistas de carteirinha, e nesse sentido, apresentam essa ideia como uma verdade incontestável. Quase que religiosa.

Para o construtivismo: “Os demais níveis de organização da linguagem que subjazem à semântica – tais como o nível fonológico, ortográfico, morfológico, sintático – simplesmente não seriam considerados importantes” (OLIVEIRA, 2002, p. 10). Como resultado, segundo Sebra e Dias (2011), o construtivismo endossa uma educação pela incompetência. Para estas autoras, este movimento “pedagógico” é um dos principais responsáveis pelos baixos níveis educacionais nos testes internacionais. Destacam ainda, que o movimento construtivista é rejeitado pelos principais países no mundo.

Para uma alfabetização desejável, é necessário o reconhecimento dos grafemas e fonemas. O método fônico, por exemplo, ensina a correspondência entre letras e sons de forma a desenvolver uma maior e melhor consciência no aprendizado da linguagem. Para tanto, é necessário um grande empenho no aprendizado dos fundamentos de nossa língua.

Em relação ao aprendizado motor, a lógica é a mesma, não se ensina a dançar, sem antes, se ensinar a andar. O grafema do aprendizado motor é a técnica, e sem esta, não se aprende. Dar significado aos movimentos ou pensar sobre eles, não implica em aprendizado, pois para isso é necessário o aprendizado das técnicas por meio da prática. Tal procedimento era comum nos anos do regime militar brasileiro, mas com o fim deste ciclo virtuoso, a educação, bem como, a educação física brasileira, se despreza a técnica como se despreza a escrita, como resultado desse desprezo, nós estamos entre os piores do mundo (GARCIA, 2015).

Como nos informa Rebollo (2003): “O sentido de techné é o de uma orientação prática, um sistema de regras e categorias que possui uma base teórica sólida, capaz de produzir efeitos previstos por suas regras e apresentar a razão (logos) do processo e das causas. A techné, assim definida, é uma ciência indutiva e prática, na qual a experiência (empeiría) é o seu fundamento” (REBOLLO, 2003, p. 281). Dessa forma, todos os movimentos são orientados por técnicas, das mais simples as mais complexas, o homem é um ser técnico por natureza. O que nos faz humano é a técnica, sem ela nos parecemos muito com os animais irracionais. Ser contrário a técnica é ser contrário a nossa própria humanidade. Será você, um anti-humano.

Sobre o corpo e o movimento técnico, Marcel Mauss foi muito preciso: “Chamo de técnica um ato tradicional eficaz (e vejam que isso não difere do ato mágico, religioso, simbólico) Ele precisa ser tradicional e eficaz. Não há técnica e não há transmissão se não houver tradição. Eis em quê o homem se distingue antes de tudo dos animais: pela transmissão de suas técnicas e muito provavelmente por sua transmissão oral” (MAUSS, 1974, p. 407).

O ato é eficaz porque dá certo, porque é bom, e por isso se torna tradicional. Criada a tradição, o movimento técnico é repetido e aperfeiçoado na história, por quê? Porque ele funciona. Os animais inferiores não criam técnicas, eles vivem conforme o seu sistema orgânico fechado, o animal racional, que é intelectivo na definição de Aristóteles, é fruto de um sistema orgânico aberto, por isso, criador de técnicas.

Definições, classificações ou categorias, são as partes que dão forma ao todo, e devem ser transferidas da teoria para a prática por meio das técnicas. Isto é, são caracteres essenciais para o aprendizado motor, são dessas definições, classificações ou categorias que organizamos os movimentos, das potências aos atos, estes, tão importantes para o desenvolvimento do homem dentro da sociedade. Sem isso, formamos analfabetos motores, sem um mínimo de domínio técnico sobre seu corpo. Tratando-se da alfabetização, sabemos que o Brasil é sempre um dos últimos nos testes internacionais, quanto à educação física, não há dados comparativos, assim, sequer sabemos o quanto estamos e somos ineficientes no aprendizado motor.

*Alessandro Barreta Garcia é mestre em Educação pela Universidade Nove de Julho. Possui Licenciatura e Bacharelado em Educação Física pela Universidade Nove de Julho. É autor dos livros: Educação grega e jogos olímpicos, Aristóteles nos manuais de história da educação e Educação física e regime militar: Uma guerra contra o marxismo cultural.  Suas pesquisas relacionam conhecimentos da Antropologia, História do Brasil, História da Educação, Filosofia e História da Educação Física.

Leia também a coluna do, Rodrigo Constantino, sobre meu livro “Educação física e regime militar: Uma guerra contra o marxismo cultural”, Clique aqui.

 

REFERÊNCIAS

GARCIA, A. B. Educação física e regime militar: Uma guerra contra o marxismo cultural. Jundiaí, Paco Editorial: 2015.

MAUSS, M. As técnicas corporais. In. Sociologia e Antropologia. São Paulo, EPU/EDUSP, 1974.

OLIVEIRA, J. B. A. Construtivismo e alfabetização: um casamento que não deu certo.  Ensaio, vol. 10, p. 161-200. Rio de Janeiro. 2002.

REBOLLO, R. A. Considerações sobre o estabelecimento da medicina no tratado hipocrático Sobre a arte médica. Sci. stud. vol.1 n.3 São Paulo July/Sept. 2003.

SEBRA, A. G, DIAS, N. M. Métodos de alfabetização: delimitação de procedimentos e considerações para uma prática eficaz. Rev. Psicopedagogia, 28 (87) 306-320, 2011.